sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fora de hora

Capa da 2ª edição, da Nova Fronteira

            E o primeiro conto do livro põe em xeque a descrição que eu acabei de dar. Isso porque “Garrafa ao mar” talvez não tenha em “conto” a sua melhor descrição. Esse texto (sempre que me falta uma boa maneira de especificar, volto ao básico) terá mais impacto para quem já leu “Queremos tanto a Glenda” (conto do livro homônimo, publicado no Brasil como “Orientação dos gatos”), embora essa leitura não seja indispensável, porque temos um breve resumo desse em “Garrafa ao mar”. Trata-se de um relato de Cortázar que diz ter recebido uma “resposta” ao conto de “Orientação...”, vinda direto de Glenda Garson, ainda que por meios bastante heterodoxos. Um pouco assustador até, ou, no mínimo, um bom motivo para pensarmos em certas “coincidências”.

            O segundo conto tem um tema já tratado por Cortázar anteriormente, embora de maneira um pouco diferente: a relação da personagem com a pintura. Em “Fim de etapa”, diferentemente de “Orientação dos gatos” (agora falo do conto, não do livro), a personagem se depara com pinturas que são mais que a representação da realidade – ou será que a realidade é representação das pinturas? Uma grande tensão dirige a personagem ao final do conto, uma espécie de paroxismo de um processo.

            Outro mundo que aparece com alguma freqüência nos escritos de Cortázar é o mundo do boxe, ambiente do conto que aparece na seqüência no livro. “Segunda viagem” conta a história de Mario Pradás e de Ciclone (Ciclón, no original) Molina, ex-sparring de Pradás, mas especialmente de Molina, aliando as descrições empolgantes dos golpes, dos movimentos, das vitórias a um ambiente de mistério, de estado alterado de consciência (Ciclone sempre tem de esperar um certo momento da luta em que esse estado chega para então conseguir lutar com todo seu potencial) e a um final um pouco assustador. Daria um bom roteiro para filme de boxeador!

            “Satarsa”, quarto conto do livro, é outro conto em que Cortázar consegue entretecer duas coisas que lhe interessam: palíndromos e luta por liberdade. Um grupo de pessoas foge dos que tentam capturá-los, e os palíndromos (coisas que lidas de trás para frente lêem-se do mesmo modo) servem como jogo e reflexão. Me lembrou, não sei porque, o clima de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez. Acho que pelo lugar meio inóspito onde vivem os personagens desse pungente conto.

            O quinto conto é “A escola de noite”, no qual dois colegas decidem invadir à noite a escola onde estudam, apenas para ver como é o local durante o tempo e quem não há inúmeras pessoas transitando por lá. No entanto, acabam descobrindo que outros já estão lá, jogando seus estranhos jogos. Assustador pela possibilidade de que possa mesmo acontecer, em algum lugar do mundo.

            O conto que dá nome ao livro é o mais intimista de todos, na linha de, por exemplo, “Os venenos”, ambos contando uma paixão da infância. No caso de “Fora de hora”, trata-se da paixão de Aníbal por Sara, a irmã mais velha de seu melhor amigo. Anos mais tarde, reencontram-se e então ele pode declarar-se. Bonito de ver como Cortázar consegue falar dos sentimentos mais puros, que são sempre os sentimentos do primeiro amor. Tenho uma interpretação diferente das que encontrei nas propostas de análise do conto: a de que Aníbal sonha o encontra com Sara, e que só lhe resta depois disso voltar à vida medíocre que leva.

            “Pesadelos” é um conto bem conduzido em que convivem e se entrecruzam o estranho e a situação de turbulência política. Uma moça cai doente e entra em coma, deixando a família ainda mais tensa em meio a um contexto de luta política (ou pelo menos foi o que entendi, vai ver que estou condicionado, já) acerca do qual não faz questão de se inteirar. O estado da moça piora, com tremores repentinos que parecem acompanhar os tiros e sirenes que se ouvem na rua. Tensão crescente explodindo em ironia nas últimas linhas.

            Para fechar o livro, “Diário para um conto”, que é um pouco de cada, um conto e um diário sobre o processo de composição de um conto. Vemos o escritor (parece ser o próprio Cortázar) se preocupando em como dizer as coisas, mas no fim já não sabemos se há distância entre narrador e personagem.

            Enfim, é o fim. Parece que escrevo cada vez pior e com menor habilidade para tornar interessante o que escrevo. Espero que relendo pareça melhor. Se não, vai ser complicado fazer as outras resenhas com esse sentimento de faltar palavras para contar os livros de Cortázar.

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