quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Instável busca pelo Céu

    Che Cortázar, se pudesse falar contigo agora, te pediria desculpas. Mas pra isso é que serve a literatura, essa ponte entre dois quaisquer-coisas, até entre dois (ou mais) nadas, se for o caso. Então 'tá aí: me desculpa.
    Me desculpa porque eu queria mesmo "reestrear" (ou alguém vai me dizer que não é uma reestreia essa volta à escrita aqui, depois de tanto tempo e contratempo), digo que queria mesmo reestrear aqui com uma notícia boa: os volumes faltantes das tuas Obras Completas sendo publicados lá na Espanha, o fim do uso das linguagens e ideias já apodrecidos, ou a abolição do academicismo castrador da livre interpretação das obras literárias. Mas não, che. Não dá. A notícia é ruim e teus próprios livros são testemunhos de que tapar os olhos não resolve nada.
    Escrevo direto pra ti porque sei que várias pessoas vão poder ler e sentir que também me dirijo a elas. Não é exatamente uma forma de me esconder, mas é um jeito de a escrita sair mais fácil, sabe? Sobre essas coisas é melhor conversar com um amigo do que escrever um texto mais indireto, correndo o risco de ele sair meio empolado...
    Vamos lá: uma pessoa morreu. Claro, várias pessoas morrem todos os dias (e tu mesmo já te foi hátanto tempo)... mas essa era uma pessoa que - tivesse mais de cronópio, fama ou esperança - era cortazariana. Ela apresentava as tuas obras a muita gente, Julio. Te apresentou, inclusive, para a janíssima Jana, companheira de leituras dos teus escritos.
    Era uma professora, como tu mesmo foi um dia, Julio. Da parte acadêmica, que fale a internet: três pós-doutorados, pesquisadora CNPq... Como não fui aluno dela, Julio, também não posso falar da didática, dos critérios de avaliação.
    Só posso falar das impressões, com o único benefício de ser alguém que não a conhecia tã ode perto a ponto de me deixar emocionar em demasia na hora de escrever isso.
    Troquei alguns e-mails com a Márcia (Márcio Hoppe Navarro, que nome bacana, soa forte; esse Navarro tem algo de aguerrido, como o teu sobrenome, che), lá em 2008, porque ela ministrava a disciplina Literatura Latino-Americana III na UFRGS. Queria assistir às aulas da disciplina que fossem sobre ti. Depois de um cumprimento, a primeira coisa que ela escreveu foi "também gosto muito do Cortázar".
    Foi difícil convencê-la a me deixar assistir às aulas como ouvinte. Ela parecia ter critérios bem estritos a esse respeito (vai ver a turma era hiperlotada) e eu até a julguei de antipática por isso... Relendo os e-mails dela hoje, acho que era só uma questão de critério. De qualquer maneira, ela me aceitou, só enquanto as aulas fossem sobre ti, Julio.
    Mas no dia da primeira aula, tomei tanta chuva (tanta, tanta... era uma coisa digna de Oliveira e Berthe Trépat) que não fui à aula dela. Por desencontros semelhantes, também não fui às seguintes, e tive a impressão de que ela não me aceitaria numa de suas turmas de novo.
    Lá se vão quatro anos, Julio. E, dias atrás, recebo um e-mail: Márcia morreu. Fiquei esse tempo todo me dizendo, esses quatro anos, entre períodos de total esquecimento sobre o assunto, que um dia ainda iria encontrá-la, conversar com ela e dizer que a chuva, que e os contratempos, e que tanta coisa... mas que agora sim, nem que clandestino, entraria na sua turma e assistiria o documentário do Tristán Bauer e contaria, curioso, os cronópios, os famas e as esperanças.
    Uma pessoa assim, Julio, cheia dos diplomas, cheia de histórias a contar, cheia de gosto pelo que tu escreveu... e nem um obituário no jornal local. Nem uma nota do Instituto de Letras. Páginas e páginas de informações sobre o que ela escreveu (caramba, Julio, bastante coisa sobre ti), onde se graduou, que trabalhos desenvolveu. E nem uma palavra sobre a chama que se apagou, os amigos que vão sentir sua falta.
    Não deu Julio. Acho que é assim mesmo. Os desencontros: Oliveira e a Maga, Juan e Hélène, cronópios e outros cronópios... todo mundo se desencontra nas tuas páginas, assim como na vida. Mas, também como nas tuas páginas, a gente sempre carrega um pouco do outro conosco nessa instável busca pelo Céu, em um pé só.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Morellianas no se murió...

... porque, afinal, como cita Cortázar, aquí no se rinde nadie, carajo!

O que acontece é que ainda estou usando computadores emprestados (o que até é bom, assim eu uso menos esses dispositivos mais próprios de um fama). Além disso, o tempo que tenho tido para usar computadores foi dedicado a trabalhos (de alguma coisa se precisa viver, seja de traduções pra UNESCO ou algo ainda menos glamuroso)

Nos próximos dias devo consertar o meu, e aí estarei de volta. Tenho algumas ideias para posts, mas aceito as de vocês, também. Ainda estou devendo a tradução da carta aberta que o Chris me enviou...

A coisa tá uma bagunça. Concordo. Mas o que pode ser mais adequado a um cronópio, certo?

(Acaba de me ocorrer uma ideia agora. Talvez tão insana e potencialmente nociva como as piores de Calac e Polanco: e se fizéssemos um amigo secreto dos leitores - e autor - do Morellianas? Os "presentes" seriam trechos favoritos das obras cortazarianas. Que tal? Não pode dar tão errado quanto mergulhar o barbeador elétrico no porridge, pode?

Quem quiser participar, mande e-mail para o endereço do banner. Como é tudo eletrônico, podem mandar até dia 24/12)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Morellianas dá uma pausa...

... porque meu computador está estragado; além de chato, usar o computador dos outros com frequência é desconfortável (não tenho minhas anotações "morellianísticas", por exemplo).

Mas, quando conseguir resolver esse problema, compenso com um bom número de postagens, certo?

Até logo!

sábado, 27 de agosto de 2011

Bibliografia cortazariana

Ontem foi aniversário do cronópio-mor e eu não postei nada. Que vergonha. Mas sei que Julio não ficaria bravo comigo se soubesse desse esquecimento - esquecimento que, de mais a mais, serve como atestado de minhas características cronopiais.

De qualquer forma, fica como um presente atrasado, mais para os leitores do Morellianas do que para o próprio aniversariante Julio Florencio Cortázar, uma extensa bibliografia cortazariana. Diferente das bibliografias que vemos por aí, especialmente nas edições nacionais dos livros do Julio, esta tem a audácia de se propor a ser o mais completa possível, porém eliminando coletâneas e assemelhados.

Minhas fontes de pesquisa principais foram as edições de "Rayuela" da UNESCO e da editora Cátedra, e os biográficos "Julio Cortázar: La Biografía", de Mario Goloboff, e El lector de... Julio Cortázar", de Alberto Cousté.

Os anos se referem à primeira edição de cada obra. Quando aplicável, pus notas sobre o livro. Deixei separados e marcados por pontos de interrogação dois livros de entrevista, ao final da lista. As respectivas datas de publicação que encontrei constam nos volumes nacionais ou foram encontradas na internet e podem não ser precisas. Se alguém souber informações mais precisas sobre "Conversas con Cortázar" e "La fascinación de las palabras", avise, por favor.

No caso de livros já resenhados aqui no Morellianas, basta clicar no título deles para ir até a postagem correspondente. Livros com mais de uma resenha ("O jogo da amarelinha", "Último Round"...), clique nos números sobrescritos para ler os posts correspondentes. (Conforme for lendo outros livros do Julio, atualizarei a lista aqui, certo?)

Saludos e uma salva de palmas para nosso amigo cronópio aniversariante!



Ano
Livro
1938
Presencia (como Julio Denis)
1945
La otra orilla (como "Los presentes"; 2ª ed. aumentada, 1964)
1949
1951
1956
Final del juego ("Los presentes"; 2ª ed. aumentada, 1964)
1959
1960
1962
1963
Rayuela [1] [2]
1966
1967
La vuelta al día en ochenta mundos [1] [2]
1968
Buenos Aires, Buenos Aires (c/ fotos de Sara Facio)
1968
1969
Último round [1] [2]
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1975
Silvalandia (baseado em ilustrações de Julio Silva)
1976
Estrictamente no profesional. Humanario. (c/ fotos)
1976
Dossier Chile: el libro negro
1977
1979
1979
Territorios
1979
1980
1980
1980
Monsieur Lautrec (c/ desenhos)
1981
París: ritmos de uma ciudad (c/ fotos)
1982
1983
1983
Nicaragua tan violentamente Dulce [1] [2]
1984
1984
1984
Alto el Perú (c/ fotos de Manja Offerhaus)
1984
Negro el diez (c/ litografias)
1985
1986
El examen (escrita na década de 1950)
1986
Divertimento (escrita na década de 1960)
1991
1994
Obra Crítica [1] [2] [3]
1995
1995
1996
2000
Cartas (edição aumentada, 2012)
2009
Correspondencia Cortázar-Dunlop-Monrós (com Carol Dunlop e S. Monrós-Stojaković)
2009
2010
Cartas a los Jonquières
2013
Clases de Literatura
2013
El Último Combate




 

sábado, 13 de agosto de 2011

Fantomas contra los Vampiros Multinacionales

Capa da edição da Excelsior

Julio Cortázar é um autor de contrastes. Mas os contrastes cortazarianos não entram em conflito, ou, melhor dizendo, entram em conflito na mesma proporção com que se harmonizam. Imagino o quão paradoxal isso pareça para alguns. Mas quem já perambula (toda leitura de Cortázar há de ser de certa forma um passeio, seja por Paris, Buenos Aires, Bruxelas ou por si mesmo) há algum tempo pelos livros de Julio há de me entender.
E quem ainda não tem o hábito dessa caminhada passará a também me entender, se tiver a bondade de superar minhas digressões e ler este texto, sobre “Fantomas contra los Vampiros Multinacionales”. É um livro curto, mas com conteúdo bastante relevante sobre nosso amigo Julio - pelo que já tomei afeição especial pela obra.
Parece (de acordo com o que li em outros livros do e sobre o Julio) que a ideia surgiu quando o autor ficou sabendo que tinha participado como personagem de uma história em quadrinhos. Não sei se isso é verdade ou se serve apenas para manter a sensação de difícil divisão entre realidade e ficção no livro de Julio. O Fantomas de Cortázar não lembra muito o Fantômas (assim, com circunflexo no “o”) dos franceses Marcel Allain e Pierre Souvestre. Tanto pela roupa (o allain-souvestre-iano cobria apenas o que o cortazariano deixa à mostra: os olhos; e usava chapéu) como pelas atitudes (de vilão passou a herói).
Enfim, chega de introduções. O livro é sensacional. O primeiro contraste: o livro é intermidiático, mesclando quadrinhos (e, como em “O Livro de Manuel”, ilustrações –  matérias de jornais, montagens , desenhos – ao longo de todo o livro) com literatura “pura”  (sem juízo de valor: “puro” é o jeito de dizer “sem quadrinhos”). O segundo contraste: de narrações; a narração dos quadrinhos e do livro em si não são a mesma coisa, nem exatamente coisas diferentes. Os quadrinhos não são rebaixados a condição acessória – são parte fundamental da história.
Terceiro contraste, de temática: a “liberdade poética” dos quadrinhos de herói não serve a um escapismo, nem a um ars gratia artis (desculpem, tem dias que fico mais palavroso), mas à denúncia das barbáries da ditadura e da inação frente a elas. Quarto contraste: os tons, que variam do duro, direto, à pura brincadeira, no típico humor cortazariano – não lembro de ter lido, em nenhum outro lugar, linhas do Cortázar dizendo tão claramente que está de olho em uma mulher (e ainda faz referência bem explícita aos seios dela).
A arte (difícil ler os crédito que aparecem nos quadrinhos, escritos com uma letra em estilo Will Eisner) é ótima, com o estilo dos quadrinhos antigos (sem a overdose de hachuras e sem a falta de noções espaciais de muitos quadrinistas modernos). O desenho de Julio ficou ótimo. Além dele, também vemos (todos jovens) Octavio Paz, Alberto Moravia e uma toda engessada Susan Sontag – que é um dos personagens mais importantes, pelas conversas que tem com Julio. Não há nenhum personagem brasileiro, mas, entre seus amigos, Julio cita Caetano Veloso.
(Ainda não fiz nenhuma citação? Então aí vai esta, citada pela personagem de Susan e talvez por ela na vida real:
“¿Qué son los libros al lado de quienes los leen, Julio?
¿De qué nos sirven las bibliotecas enteritas si sólo les están dadas a unos pocos? También
esto es una trampa para intelectuales. La pérdida de un solo libro nos agita más que el
hambre en Etiopía, es lógico y comprensible y monstruoso al mismo tiempo. Y hasta
Fantomas, que sólo es intelectual en sus ratos perdidos, cae en la trampa como acabamos
de verlo.”)

                 
                Não posso contar muito mais – será melhor que cada um leia o livro e veja a mensagem que ele lhe traz, e como Cortázar conseguiu escrevê-lo sem trair nenhuma porção de seu ser: falando às vezes de brincadeira, disse mais e mais profundas mensagens que os que se agarravam a uma intransigente seriedade da revolução dos povos da América Latina.